hooks, bell. Teoria feminista: da margem ao centro. São Paulo: Perspectiva, 2019 (1984). Tradução de Rainer Patriota.
No segundo capítulo de Teoria feminista: da margem ao centro, de bell hooks, ela discute que o feminismo deve ser um movimento político radical para acabar com a opressão sexista e aborda a incapacidade do discurso feminista de alcançar um consenso do que se define como feminismo.
É possível constituir definições consensuais para edificar uma teoria e instituir uma práxis significativa?
Para desenvolver suas afirmações, hooks escreve que existe uma ingenuidade política que faz as mulheres acreditarem que o feminismo é um movimento que objetiva torná-las socialmente iguais aos homens. Sinto muito, mas é fake news. E ela explica: "Essa definição genérica, difundida pela mídia e pela linha oficial do movimento, levanta algumas questões problemáticas". E continua: "Se os homens não são iguais entre si dentro da estrutura de classe patriarcal, capitalista e de supremacia branca, com quais homens as mulheres querem se igualar?".
CA-RAM-BA! É ou não é uma provocação coerente?
Para ela, mulheres brancas e burguesas interessadas nos direitos das mulheres se contentam com esse tipo de definição por razões óbvias, é um ardil para camuflar seus privilégios de raça e classe. Mas a autora reconhece que nem todas as mulheres consentiram em reduzir a libertação das mulheres à igualdade de gênero, ela viu que feministas radicais baseadas numa compreensão bem informada das políticas de dominação e de um reconhecimento da interconexão entre os vários sistemas de dominação buscavam trabalhar pela erradicação desta dominação e do elitismo em todas as relações humanas. No entanto, essa perspectiva radical não foi valorizada por aquelas mais interessadas em reformas sociais.
Eu penso muito isso a respeito do que tem sido o feminismo nessas últimas décadas, um movimento que não só ainda acredita na igualdade de gênero, como também um movimento que tem feito alianças com a perpetuação da hierarquia sexista ao invés de lutar em prol da erradicação da opressão sexista. Essa falta de preocupação com a dominação possui total relação com o feminismo liberal e sua mentira de que a mulher pode se igualar aos homens sem desafiar e modificar a base cultural da opressão de um grupo.
Para hooks, o protesto da mulher liberal serve como um sistema de suporte ideológico que alimenta o liberalismo, que dá às mulheres o máximo de igualdade de oportunidades no interior do sistema patriarcal, capitalista e supremacista branco. Quem se contenta com isso? Somente quem se beneficia.
Um forte crítica ao ativismo liberal: "eu não preciso do feminismo".
O termo "feminismo" é a pauta que segue na discussão do capítulo. Muitas mulheres engajadas nas questões femininas evitam usá-lo por desdenharem do termo ou por medo de serem associadas ao movimento, por não se sentirem seguras quanto ao significado. Mulheres que não querem de forma alguma ser associadas ao movimento pelos direitos da mulheres, colocando-se à margem ou contra ele. Mesmo aquelas diretamente beneficiadas pelas medidas reformistas que melhoraram o status social de alguns grupos específicos de mulheres. Elas não querem ser vistas como integrantes do movimento feminista.
hooks observa que as mulheres estão mais familiarizadas com as perspectivas negativas sobre a libertação das mulheres do que com os significados positivos do movimento, mas seria estratégico por parte das mulheres assumidamente feministas recuperar e preservar o significado e o poder político positivos do movimento, que inclui desvincular a sua ênfase na conquista de maior liberdade individual.
Não é focando nem na autonomia e liberdade pessoal da mulher nem na igualdade de oportunidades que o feminismo poderá extinguir da sociedade o sexismo e a dominação masculina, a ação política radical necessária à extinção do sexismo está no comprometimento com a erradicação da ideologia de dominação que permeia a cultura ocidental em seus vários níveis.
Enxergar e descrever sua própria realidade é um passo significativo para desenvolver uma consciência política crítica, mas não é o bastante quando não se tenta desenvolver, ao mesmo tempo, uma compreensão mais abrangente e aguçada da realidade política da mulher. A máxima do feminismo é acabar com a opressão sexista, não é beneficiar apenas um grupo específico de mulheres, não se trata de privilegiar a mulher em detrimento do homem, não é um estilo de vida e nem uma identidade.
_
Carolina Lemos, geógrafa interessada na geopolítica das mulheres, tem 26 anos e estuda estratégias de organização e resistência social de mulheres no território em rede. Sapatão, suburbana e artesã (@artesasdevenus), faz da leitura e da escrita um verdadeiro ato político.
Comments