BURKEANA
aprendemos a ler fotografias
com um historiador:
os detalhes dos cenários
das mãos das poses
dos ângulos e dos objetos
nas paredes ou que repousavam
em mesas, menos ou mais adornadas
nas fotos da família
os uniformes eram novos
e as joias reluziam
até em preto e branco
já o outro ramo dos parentes
guardava uma pequena caixa
de fotos que quase não nos mostravam
para que não gastássemos
— com os os olhos e as mãos sujas —
aquelas relíquias
MENOS DUAS
sete irmãos e irmãs quase abraçados tímidos no ato da fotografia meio posados meio não muito limpos em suas roupas bem passadas cinco moças dois rapagões orgulhosos de suas calças suspensas sete irmãos e irmãs na fotografia em cima do piano as duas irmãs — mortas em acidentes — continuam limpas e desafiadoras sobre o negro piano fechado os demais irreversivelmente envelhecem
FOTONOVELA
Os homens pegam peso,
Carregam fardos e
empunham armas que dão coices;
os homens levantam caixas,
fazem o transporte dos seixos;
os homens se unem
e puxam carretas emperradas;
os homens movem mesmo
montanhas;
os homens usam cordas
e laços
e arrastam pedras barcos
metais madeiras e máquinas;
os homens carregam
fardos;
mas só as mulheres
carregam o filho morto
no ventre
por mais de uma semana.
MAIS FÁCIL OU FOTOGRAFIA DIGITAL rasgávamos fotografias para esquecer coisas pessoas eventos hoje, tudo pode nascer esquecido
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Ana Elisa Ribeiro é professora titular do Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais, onde atua no Programa de Pós-Graduação em Estudos de Linguagens e no Bacharelado em Letras (Tecnologias da Edição). É doutora em Estudos Linguísticos pela UFMG. Coordena o grupo de estudos Mulheres na Edição e é membro do grupo de trabalho A Mulher na Literatura da Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Letras e Linguística (ANPOLL). Entre outros, são de sua autoria os livros de poesia Álbum (Relicário, 2018) e Dicionário de imprecisões (Leme/Impressões de Minas, 2020), além dos ensaios Livro: edição e tecnologias no século XXI (Moinhos/Contafios, 2018), Escrever, hoje (Parábola Editorial, 2018) e O ar de uma teimosia (Macabéa Edições, 2020).
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