Aline Cardoso é graduada em Letras e mestre em Linguística na área da Análise do Discurso pela UFPB, mãe da Marina e autora do livro A proporção áurea do caos (2019). Organiza o Sarau Selváticas, além de ser uma das fundadoras do Zine Coletivo Sagaz. Fundou a Editora Triluna, visando a publicação de mulheres, principalmente negras. Seu segundo livro, Harpia, será publicado ainda em 2020 pela própria Triluna.
Valeska Torres – Quando começou o seu interesse pela poesia? Me conta sobre a importância da poesia na sua vida, seja ela escrita ou/e falada. O que mudou analisando um antes e depois desse encontro? Aline Cardoso – A poesia é uma pulsão de vida para mim, é a maneira como consigo significar meus abismos e àqueles que me rodeiam também. Comecei a escrever por volta dos dezesseis anos e nesse período lia os textos e autores que eram apresentados na escola. Depois, fui me aproximando de Cecília, Clarice, Manoel de Barros, Hilda Hilst, Anayde Beiriz, Sérgio de Castro Pinto, Rupi Kaur, Adélia Prado, Ana Cristina César e outros/as.
VT – O que é ser mulher negra, paraibana, mãe solo, bruxa, escritora, poeta, editora, mestranda, social mídia (ufa!) e tantas coisas mais na atual conjuntura política? AC – Olha, é um desafio muito punk! Há dias em que eu não consigo lidar e administrar todas as funções. Agora já concluí o mestrado e a carga do cotidiano recai sobre as consequências da pandemia, os processos de editoração, produção de conteúdo e também a minha própria produção literária. Eu sou hiperativa, então, quando o corpo não me grita: "ei, bora aliviar, fera?", eu já engato em várias coisas em série, mantenho sempre a mente ocupada. É muito difícil ser mãe solo e professora, porque tenho que lidar com a rotina de uma sala de aula online junto com as demandas de uma criança no vigor da primeira infância. É uma loucura! O atual contexto político é tão surreal que parece que saiu de um pesadelo, tento administrar a rotina enquanto vejo o país pegar fogo. Aproveito as minhas indignações particulares para produzir material e protestar como posso no momento.
VT – Você é uma pessoa muito atuante nas redes sociais, trazendo sempre conteúdos para seus seguidores. Me conta um pouco sobre em que momento você decide fazer das redes sociais uma forma contínua de divulgação do seu trabalho. Quais são os desafios para que seja crescente o número de seguidores e não o contrário? Quais são os prazeres e desprazeres de estar no mundo virtual? AC – Quando comecei a pensar em publicar o meu primeiro livro comecei também a publicar poemas no meu Instagram junto com fotografias minhas. Depois de um tempo passei a entender como funciona o processo de produção de conteúdo em uma rede tão visual, e daí comecei a produzir um material mais visivelmente atraente para incorporar os poemas. A produção de crítica e textos com outras discussões é mais antiga, e eu não penso no crescimento do número de seguidores quando produzo conteúdo, penso que os textos chegarão às pessoas que gostariam de ler algo assim. Penso em produzir algo que eu gostaria de ler e acompanhar no Instagram. Até agora ainda não tive o desprazer de atrair pessoas com discurso de ódio para o meu perfil. As pessoas que chegam para seguir o @linhanegra são majoritariamente mulheres. Eu escrevo para elas. Procuro escutar também quem está acompanhando o perfil para sondar os interesses e criar novas pautas. Comecei a trabalhar bastante com a produção de lives, tive o prazer de mediar conversas com escritoras incríveis, ampliar as redes de apoio, conhecer outras realidades sem sair fisicamente do meu quadrado, infelizmente, pois gostaria de conhecer todos e todas pessoalmente.
VT – Como e por que nasce o Sarau Selváticas? E atualmente, durante a pandemia, tem sido possível pensar outras formas de prosseguir virtualmente?
AC – O Sarau Selváticas nasceu das dificuldades de acesso aos espaços de divulgação da literatura produzida por mulheres. Decidimos, eu e Anna Apolinário, criar espaços totalmente pensados para e por nós, ao invés de ocupar os lugares mínimos que nos eram deixados. Seguimos publicando textos de autoras de todo o país em @sarauselvaticas, estamos com um projeto de lives em série para ser realizado pelo NE agora nesse segundo semestre. É uma aventura que antevê nossos sonhos de produção física, agora distantes: fazer uma turnê mochilando o país com o projeto do sarau, conhecendo escritoras, coletivas e outros projetos.
VT – Você é fundadora da Editora Triluna, certo? Conta um pouco sobre a história da editora, das publicações já realizadas e das futuras, do corre de ter uma editora independente.
AC – A Triluna é uma bebê que nasceu graças ao Selváticas, que me concedeu o primeiro palco para que eu pudesse conhecer a potência da minha poesia no contato com outras pessoas. Como sou trabalhadora assalariada e não tenho capital, procuro ter boas ideias [risos] para sobreviver e tornar a editora possível. Por isso, as tiragens são pequenas, entre cinquenta e cem exemplares, a pré-venda é feita online para assegurar que os livros não fiquem estocados e já contem com leitores/as à sua espera. Acredito que essa é uma maneira versátil e objetiva de articular o público e o novo mercado editorial independente. Edito os livros sozinha, aprendi fazendo. O primeiro livro publicado pela Triluna foi o fruto de um projeto que desenvolvo em parceria com Vanessa Dias e nossos alunos, na escola em que trabalhamos, a partir daí ela se tornou ilustradora da Triluna, conheçam o trabalho dela em @illustravan.
VT – O que significou para você, sua família e as pessoas ao seu redor publicar seu primeiro livro, A proporção áurea do caos? Como foi o processo de escrever o livro e publicá-lo?
AC – Publicar esse livro foi abrir caminhos, fazer fluir ideias represadas a tempos. O livro foi escrito durante quase dez anos, então tem poemas que escrevi com dezoito/dezenove anos. São espelhos distantes que refletem várias fases do meu amadurecimento enquanto escritora. No dia do lançamento lembro que havia passado a semana dando aula com crise de garganta, no dia eu simplesmente perdi a voz, foi irônico, justo no dia em que a minha voz estaria ali para ser ouvida a danada quase que literalmente me escapa.
VT – Me indica escritores/as e/ou poetas, contemporâneos/as ou não, da Paraíba e o porquê da escolha.
AC – Indico Anna Apolinário, Sérgio de Castro Pinto, Jennifer Trajano, Débora Gil Pantaleão, Natália Luna, Bianca Rufino, Luíza Paiva, Jairo Cézar e sei que através desses nomes vocês conhecerão muitos outros, o porquê é simples: essas são as pessoas que estão trabalhando ativamente na cena literária do nosso estado. Além de, é claro, estarem junto comigo nas estantes e nos palcos da vida.
VT – Qual livro você acredita que todas as pessoas deveriam ler? Por quê?
AC – Olhos D’água, de Conceição Evaristo. Acredito que não se entra e sai desse livro da mesma maneira. Conceição possui uma narrativa muito poética, extremamente rica em simbolismos, metáforas, neologismos, a própria dimensão de cada conto é um universo poético em si. Parafraseando um ex-professor meu: "quem não leu, precisa ler hoje!".
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