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Foto do escritorValeska Torres

Maria Duda: "Eu sou aquela que zumbe no ouvido/Que vocês não conseguiram calar" – entrevista

Atualizado: 13 de mai. de 2020


Acervo da autora.

Maria Duda é poeta, escritora, slammer, produtora cultural e estudante de Relações Internacionais na UFRJ. Iniciou sua trajetória na poesia falada em 2017, através dos seus primeiros slams. Em 2018, Maria Duda se juntou NósdaRUA, que recitava poesia em transportes públicos e realizava mensalmente o Slam NósdaRUA, coletivo no qual permaneceu até 2019. Nesse mesmo ano lançou seu primeiro livro de poesias Navio negreiro, na FLIP, pela editora Malê, com o selo FLUP. Desde então vem realizando pocket shows, oficinas de slam e rodas de conversas sobre suas experiências, racismo e poesia falada.




Valeska Torres Quando começou o seu interesse pela poesia?

Maria Duda Quando pequena, eu já adorava ler e fazer poesia. O primeiro livro que me lembro de ler foi Declaração de amor - canção de namorados. Quando cheguei na pré-adolescência parei de escrever por um tempo, e só voltei quando conheci o slam em 2017. Minha mãe trabalhava em uma biblioteca, o que definitivamente influenciou esse meu apego à leitura.


VT Na sua cidade, como é sua relação com a cena de slam? Como você observa o cenário de slams do Rio de Janeiro?

MD Não sei se tenho muita “autoridade” para falar sobre a cena do Rio hoje, os últimos meses foram basicamente dedicados à faculdade e ao trabalho, frequentei poucos slams. Sei que surgiram muitos slams novos nesse período e muitos poetas novos também. Eu tento frequentar ao máximo o Slam Laje (CPX do Alemão), o Slam Sereno (CPX da Penha) e o Slam Negritude (Centro). Esse ano uma das minhas metas era voltar a frequentar mais, inclusive conhecer alguns dos slams que surgiram nesses últimos meses e que ainda não fui. Acho que o cenário do Rio de Janeiro é unido pelo propósito de tentar movimentar as favelas e regiões periféricas. Apesar de todas as dificuldades, ainda sinto que fazer a poesia acontecer nesses espaços é maior do que a competição em si.


VT Você foi campeã do 1° Slam Pequena África, organizado pela FLUP em 2018. Lembro que durante a jornada das classificações, havia rodas de conversas com pessoas que estão na cena da poesia falada no Brasil. Quais foram seus aprendizados nessa caminhada? Seja em relação à técnica (voz, postura, presença), seja em relação aos seus olhares sobre a poesia em si.

MD O processo inteiro foi incrível! Não só pelos convidados que fizeram rodas incríveis, mas também pelos amigos que fiz e poetas que conheci. Mantenho muitos dos poetas que conheci ali no meu ciclo de amizades. Nós tínhamos alguns sábados separados para “ensaiar” um pouco nossas poesias, trocamos muito sobre performance e voz. Acho que foi ali que me acostumei a me apresentar no palco, antes eu só recitava na rua, descobri que sou uma grande amante dos palcos e microfones, mais até do que do ar livre.


VT Como foi o processo de publicação do seu livro Navio negreiro?

MD Depois que ganhei o Slam Pequena África, começamos o processo de publicação do livro no início de 2019. O Júlio e o Écio me colocaram em contato com a editora Malê e a partir daí começamos a montar Navio negreiro. No começo demorei um pouco a me acostumar com o fato de que minha poesia iria aos lugares sem mim e sem a minha performance, mas depois passei a gostar muito disso porque percebi que cada um tem o seu próprio momento com o texto. Convidei, inclusive, a Luna Vitrolira para escrever a orelha do livro, poeta que conheci no Ciclo de Poesia Preta da FLUP e de quem virei grande fã, e logo aconteceu o lançamento na FLIP de 2019.


VT Me conta sobre os desafios de conciliar sua rotina como poeta junto às outras atividades, como a faculdade, o trabalho de carteira assinada de segunda à sexta e as tarefas diárias não citadas aqui. É possível continuar a escrever mesmo diante da sobrecarga cotidiana?

MD É difícil, mas é possível. Tenho que me disciplinar a escrever, confesso que se não fizer isso a rotina toma todo o meu tempo, mas tenho conseguido, não tanto quanto antes, mas tenho. De fato, exige uma escolha pela poesia e pela literatura, não é mais um hobbie daqueles que fazemos quando sobra tempo. Não tenho tempo, tenho que criar tempo. Exige disciplina e muita vontade de manter a escrita, o processo de escrita não é tão romântico e simples como já foi um dia, mas continua tão necessário e prazeroso como sempre.

Acervo da autora.

VT Se tivesse de escolher uma imagem relevante na sua relação com a escrita, qual seria?

MD Escolhi essa foto [à direita] porque tirei quando vi meus livros à venda pela primeira vez na FLIP de 2019 (não dá nem para disfarçar a alegria no meu rosto)!



VT Em seu livro de estreia, percebi que questões como racismo, morte, amor, negritude atravessam a escrita. Como foi o processo de escrita capturando imagens e notícias que fazem parte do cotidiano dos cariocas periféricos? Como é sua imersão na escrita quando se trata de um poema sobre amor e outro poema sobre uma situação de morte?

MD Navio negreiro tem as primeiras poesias que fiz na vida. Acho que foi uma catarse de tudo o que já tinha vivido até aquele momento. Medo, raiva, dor, não muito amor. Às vezes, quando preciso falar sobre algo e não consigo me expressar muito bem, peço que Oxum e Ossain sussurrem as palavras no meu ouvido para que elas me mostrem meus sentimentos e para que sirvam como afago para aquelas dores que resolvi expor. É isso que acontece muitas das vezes e que aconteceu durante a escrita de Navio negreiro.


VT Na página 41 do seu livro, aparece a favela da Praia do Pinto, nome que dá título ao poema em que é palpável sua indignação nos versos "Agora, imagina minha reação ao descobrir/ que a favela em que eu cresci/ veio do metro quadrado mais caro do Rio de Janeiro". Muitos desmontes de favelas ocorreram na cidade do Rio de Janeiro e a maioria deles são apagados sistematicamente da nossa história enquanto favelados, periféricos, suburbanos. Comente como você enxerga a relevância de escrever em versos as histórias silenciadas do povo preto e pobre? Como foi para você se entender como poeta que hoje, apesar dos diversos silenciamentos que ainda transpassam seu corpo e sua voz - mulher preta, latino-americana e periférica –, pode escrever para seus leitores dados históricos como esses apresentados?

MD Essa poesia é a minha preferida, eu acho. A história da favela da Praia do Pinto e da Cidade Alta foi contada pela minha vó, que participou desse processo. Durante minha infância as pessoas da Cidade Alta não comentaram sobre esse acontecimento do incêndio criminoso, então, apesar de morar lá, passei a infância sem saber disso. Acho que todos devemos saber que se os corpos pretos e pobres ocupam os morros e as áreas mais afastadas hoje é porque um plano foi colocado em prática para que fosse dessa forma. É importante para entender o sistema e como ele funciona, e é importante que sejamos também locutores dessas histórias. Confesso que quando escrevi essa poesia não tinha noção de sua importância, só fui tomando consciência disso um tempinho depois, afinal, a escrevi ainda em 2017, não sabia muitas coisas sobre esses silenciamentos sofridos.


VT O que significou para você publicar um livro de poesia em 2019? Seja no âmbito pessoal e também diante da atual conjuntura do mundo.

MD Foi um ano crucial. Todo artista encarou e encara hoje uma dura realidade no Brasil, fico feliz de participar desse processo de resistência da arte durante esse período de desvalorização. Precisamos lutar cada vez mais para que a arte e os artistas tenham seu devido valor. No âmbito pessoal foi incrível! Publiquei o livro bem nova, aos dezenove anos, e isso me fez ter certeza de que a escrita ficará comigo para sempre.


VT Qual livro você acredita que todas as pessoas deveriam ler? Por que?

MD Por enquanto, Mulheres, raça e classe, da Angela Davis. É necessário para entender as estruturas operantes que nos trouxeram até aqui enquanto povo negro e indispensável para pensar uma outra forma de socialização.


VT Conta seus planos para esse difícil ano de 2020!

MD Bom, esse ano eu pretendo me formar (Aruanda há de me ajudar). Criei um blog também! Tenho feito vídeos sobre diferentes autores/as negros/as e postado textos nos blogs, quero fazer crescer a leitora que existe dentro de mim esse ano. Já estou escrevendo o próximo livro, mas só vou pensar no lançamento dele no ano que vem. Tenho trabalhado com música também, então talvez saiam novidades musicais ainda esse ano!


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Navio negreiro está disponível em: <https://www.editoramale.com/>.

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