Quando fumo um cigarro na janela, de madrugada, me toma a sensação de estar numa rodoviária, noutro estado, noutro tempo, à espera do próximo destino. A viagem é longa a partir da janela. Alguns dormem, outros mandam mensagens aos parentes a alguns quilômetros, estarão chegando nas próximas horas, sob os primeiros raios da manhã. É bonito, não nego, porque é simples e anseia pelo encontro. Eu fumo e sinto frio. Caminho de um lado para o outro, em círculos quase lineares, e finjo aquecer as mãos, enquanto a fumaça transborda pelo ar quase rarefeito. Observo, absorvo. Quase permaneço. O ar do dia é morno-quente, quase quente, me pesa os ombros, me ofusca os olhos, não dimensiono bem assim o mundo que me rodeia, pois a mim me parece enorme. Sob o sol não cabem os cigarros nem a espera nem minha ronda noturna para não perder a partida do ônibus nem as mãos dormentes pelo frio a comprar a próxima passagem. O ar frio é acolhedor. É como se este me dissesse, ali mesmo, em pé, insone: "Este entre mundos é teu. A encruzilhada é segura. A estrada escura e repleta de arbustos é uma dádiva. Não durma agora." E sob esse instinto primitivo me sinto estranhamente arguta, circular, atenta, conhecida de mim mesma no mistério que circunda veredas. No breu encontro minha coragem. Na escuridão observo e absorvo minha circularidade rarefeita. O ônibus vai partir em cinco minutos, anunciaram.
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Ana Thomazini Racy, 30, nasceu na cidade do Rio de Janeiro. Formada em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF), estuda e trabalha com Astrologia Tradicional desde 2015, mantendo a página Vespertina Astrologia, com textos pontuados pelo amor fati: assim na Terra como nos Céus. Escreve poesia desde 2003 e começa, em 2015, a rascunhar textos que ora chama de conto ora de prosa, às vezes poética.
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