rebentos
da pecaminosa fruta maçã mordida,
Eva fendida ferida costela de Adão
eram Caim e Abel os joguetes do divino
que pela oferenda desejou Deus derramar
o sangue animal.
o Olho vê
a cesta a mãos trançada e limpa
a fruta ao lado de seus pés onipresentes
pisoteada colheita do homem
irmão do merecedor.
segue a mirada divina
em torneio de oferta morada
escolhe entre ossos e músculos
o que há de alimentar
seu desejo celestial.
quem vence é quem mata
ajoelha-se soberano sobre os mortos
expõe quadrúpedes nervos e fissuras
para agradar o Deus-pai
nosso Senhor.
a amostra da carne fraterna
Deus assim deseja provocar
dos céus a ira, a revolta
e fazer do punho irmão em campo
a queda do vencedor.
homem que a terra lavra
o primogênito posto amaldiçoado
errante pelo mundo Oriente
que a face esconde, d’Ele
recebe o sinal.
de sua morte, sete vezes será castigado
setenta vezes sete quem seu sangue jorrar.
pai
mãe
marido mulher
filhos e filhas — descendentes.
assim, múltiplos semelhantes da face criadora
inseridos no mundo os rebentos
repetem histórias
sob a obscuridade de Deus.
almoço
um domingo
eram os anos noventa
depois de repousados os talheres em
mesa estraçalhada pelos familiares
ali, por um tempo, feito paisagem para
estudo de pintura e sua natureza-morta
os copos bebidos os restos de alimentos
o doce resistindo na boca
a tevê ligada, futebol
senta-se a mulher, mãe minha
no colo de sua progenitora
a dona da casa, minha avó
com vestido florido na carne farta
posta no sofá para acolhimento
olho eu menina de pé
a cena com estranheza
era perceptível, o contragosto
a vontade de sentar-se também
em pernas daquela que me pariu
então, a menção movida
a negação daquelas mulheres:
não, hoje você não
hoje sou eu quem será a filha.
carolina hidalgo castelani é de São Paulo, capital, nascida em 1984. Escritora, psicanalista e preparadora de texto, tem na linguagem sua maior ferramenta de trabalho.
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